Segunda-feira, 21 de Novembro de 2005

Para a minha querida Nizé

Hoje acordei com o pensamento na Nizé! Vou falar-vos dela, para a partilhar um bocadinho….


Nizé entrou na minha vida, pelas mãos do João, tinha eu 13 anos. João era filho de Nizé e meu primeiro namorado. Quando João ma apresentou, Nizé franziu o sobrolho, olhou e disse-me “Eu queria conhecer a menina que arranca o João dos livros”, depois, rasgou um sorriso e acrescentou “gosto de conhecer, quem quer bem ao João!”.


Nesse dia gostei simplesmente da Nizé! Sempre que ela saía para trabalhar e nos deixava sozinhos em casa, fazia questão de deixar bem claro que confiava em nós, e que se nós gostávamos um do outro, jamais faríamos coisas de que nos arrependêssemos. A confiança que ela tinha em nós nunca foi traída, mesmo porque era a primeira vez que alguém confiava em mim, e eu jamais a desiludiria.


Sempre que eu chegava perto da Nizé, dava-lhe um beijo, e enquanto a abraçava perguntava-lhe rindo :- “Nini, será que hoje, ainda gostas de mim?”, ela, quase sempre respondia, que eu era a Índia mais bonita que ela conhecia, e corria, logo de seguida, a fazer os bolos de coco, que faziam as minhas delicias.


Muitas vezes, enquanto o João estudava, eu e a Nizé conversávamos horas a fio. Eu, que desde pequena adorava ouvir histórias, ouvia, sorvia, e deixava-me embalar, pelo som que o mar tinha, nas palavras da Nizé. Falava-me de Luanda, dos seus, de tudo o que deixara para trás, mas falava muito na árvore do seu coração, o Embondeiro, foi pelos olhas dela, que conheci a grandeza do Embondeiro. Cantávamos e dançávamos, tendo sido ela a minha professora de Kizomba, a pessoa que descobriu que eu dançava muito bem, segundo ela fazia questão de dizer a toda a gente.


Nizé foi a negra mais linda que cruzou a minha vida, uma das mulheres mais bonitas e mais meigas e que conseguiu fazer, com que eu com apenas 13 anos, brilhasse todos os dias. Era como uma estrela para mim.


Certo dia de Junho, estando eu à beira de regressar definitivamente a Lisboa, Nizé disse-me que me queria falar. Eu larguei tudo e corri para o colo da Nizé. Estranhamente, os olhos dela não brilhavam como de costume e as rugas da testa estavam mais profundas, o sorriso não era tão grande, e à minha pergunta habitual, ela respondeu de forma diferente: -“ Gosto de ti, como de uma filha!”. Percebi imediatamente, que ela se queria despedir de mim, e o meu coração ficou pequeno…eu andava a adiar aquele momento à tanto tempo, e agora, a frontalidade da Nizé , deixara-me desarmada. Agora era tarde para ser forte, porque as lágrimas corriam copiosamente, e apenas me restava buscar consolo, no ombro da que tinha sido, a mulher mais criança, de que eu tinha memória. Mas Nizé nesse dia, decidira dar-me uma lição de vida, olhou-me nos olhos, pegou na minha mão, como que a pedir a minha atenção, e começou a falar para mim. Esta abordagem era nova, ela havia sempre falado para nós (eu e João), tinha falado dela, dos seus, mas nunca directamente para assuntos relacionados comigo, ela nunca havia falado para mim! Foi então que começou dizendo: “ Na vida, terás que aprender, que a beleza das coisas está em dar e receber! Não adianta dar como tu dás, se o que recebes em troca, é muito pouco. Se achas que eu não tenho razão, pensa comigo. O teu riso, encheu a minha casa, os teus gestos e o teu jeito, encheu o coração do João, a tua ternura, encheu o meu coração de mãe….que tiveste em troca? Muito pouco….merecias muito mais! Sempre que deres farinha,  espera receber em troca pão ou bolo… Sempre que deres sorrisos, tens que esperar receber em troca gargalhadas… Sempre que deres amor, tens que receber, no mínimo, respeito. Não há nada que faças, que não tenha outro gesto como retorno, como tal, cuida que os gestos que fazes, estão de acordo com o que o teu coração quer, porque só assim, ele vais estar preparado para receber o gesto de retorno.”


Muito mais nós falámos nesse dia, entre choros e gargalhadas, mas acabámos por brindar no fim do dia, com bolos de coco e sumo de laranja.


Nesse dia à noite, eu e João descemos à praia, o mar estava calmo, a ondulação esbatia-se mansamente no areal. Sentados à beira mar, olhámos o Mar em redor. João, abraçou-me, beijou-me na testa (segundo ele, era sinal de respeito), conversámos muito tempo, e acabou por me confessar, em tom de brincadeira, que por vezes, tinha a sensação que eu gostava mais da Nizé do que dele. Selei a conversa com um beijo profundo, um daqueles beijos que acontecem sempre à chegada e ás despedidas, um beijo intenso, que nos fez tremer a ambos.


Nesse dia, pela primeira vez, falei ao João dos meus sentimentos, dos meus medos, dos meus desejos, ele, o meu querido João, ouviu-me e respeitou-me e sei que até hoje, me guardou no seu coração, em lugar especial.


Nizé, ficou para sempre nas minhas memória, como sendo a pessoa que mais me fez crescer num dia…Nizé, foi sem duvida a Negra mais linda, que alguma vez conheci!!!!

publicado por igara às 14:34
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De Anónimo a 22 de Novembro de 2005 às 05:13
Igara, q belo sentimento esse da saudade q trazes no peito, por alguém q ficou lá atrás no tempo por circunstâncias da vida... Nem sempre a saudade é sinónimo de angustias ou tristezas. A narrativa desta tua experiencia de vida, é exemplo disso mesmo...Fazes um relato doce, meigo e tão calorosamente humano, de alguém q teve para ti um significado especial na tua vivência.
Estou certa, q a Nizé jamais te esqueceu...
E pk as pessoas boas, merecem ser recordadas, aqui fica um beijo para ti e para a Nizé, quem quer q ela seja...e onde quer q se encontre.
A.Feiticeira
</a>
(mailto:A.Feiticeira@hotmail.com)


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